era perfeito. Ele conseguia agir sempre de maneira serena e amorosa. Fazia tudo
como um presente para Deus. E, quando chegavam à sua vida os resultados de suas
ações, ele os recebia com satisfação e agradecimento. Mesmo quando diferiam de
sua expectativa ou contradiziam o seu desejo, ele se comprazia com os
resultados, sabendo que eles obedeciam às Amorosas Leis Cósmicas. De fato, ele
considerava tudo que lhe acontecia como um amoroso presente dado pela
Fonte-de-Todo-Amor. Ele ouvia as pessoas falarem da dificuldade de escolher a
Verdade e de confiar no Amor, mas não conseguia imaginar tal situação, tão
natural era para ele agir com sabedoria.
Uma vez chegou na sua aldeia um respeitado yogui. Todos se reuniram para
escutá-lo falar sobre a Vida. E a curiosidade de Nárada foi de novo despertada
quando ouviu o yogui discursar sobre Maya, a Ilusão ou erro de compreensão que
faz com que seres cuja natureza é paz e plenitude possam se sentir ansiosos e
carentes, que faz com que seres perfeitos e divinos se considerem limitados e
insignificantes.
Nárada, não chegava a entender.
Para ele tudo era uma dança cósmica de Luz e Harmonia, não conseguia ficar cego
à Presença Divina e muito menos encontrar qualquer sinal da famosa Maya ou
Ilusão que enfeitiça os homens.
Nessa noite, como de costume, Nárada sentou-se em meditação para deliciar-se com
a contemplação do Amado Divino. E, como sempre, o Senhor do Cosmos sentou-se à
sua frente para deleitar-se com o néctar de devoção oferecido pelo seu devoto.
Depois de alguns momentos em amorosa comunhão, Nárada disse: "Amado Senhor, ouvi
falar muito da força de Tua Maya, e senti o desejo de conhecer o Jogo da
Ilusão". E acrescentou com total confiança na bondade divina: "Me concedes
isso?". E Deus assentiu sorrindo: "Claro, por que não?".
Passaram-se algumas horas em vibrante e luminoso silêncio findas as quais Deus,
com seu poder onipotente, materializou um cântaro e pediu a seu devoto: - "Estou
com sede, poderias trazer-me um pouco de água do rio?". Nárada levantou-se
graciosamente e feliz de poder servir o seu Amado, percorreu a curta distância
que o separava do rio. Chegando na margem, inclinou-se para encher o cântaro.
Ouviu então alguns passos e virando-se para um lado pode contemplar a forma mais
maravilhosa que jamais tivera visto. Trêmulo de emoção deixou o cântaro no chão
e aproximou-se daquela figura feminina de contornos inebriantes. "Que rosto!
Que olhos!" - murmurava fascinado. Percebeu então que o sol despontava no
horizonte e o céu explodia em tons dourados e azuis, e pensou "Isto só pode
significar o amanhecer de minha própria vida!". E, em poucos instantes,
aproximando-se da jovem, sua voz apaixonada descreveu poeticamente a intensidade
e profundidade de seus sentimentos, e a necessidade absoluta de desposar a bela
mulher. Os poucos segundos que se sucederam até a jovem dar a sua resposta,
pareceram intermináveis séculos para Nárada. Mas a angústia de seu peito foi
colimada de alegria quando ouviu da moça o mesmo desejo de compartilhar as suas
vidas.
Os anos se passaram.
Depois de muito esforço, conseguiram construir uma pequena casa na margem do
rio.
Algum tempo depois, felizes, comemoraram a primeira gravidez. O primogênito
trouxe-lhes grande alegria, assim como o segundo e o terceiro filho. Nárada os
educava com paciência, e observava com orgulho como eles iam se desenvolvendo.
Sua esposa continuava bela, mesmo depois da juventude ter ficado para trás. E,
apesar das divergências e freqüentes discussões, o amor entre eles continuava
firme e inspirador.
Um dia, quando as crianças já tinham chegado na adolescência, o céu ficou escuro
muito antes do entardecer.
Uma grande tormenta se aproximava.
Os três garotos brincavam no rio, numa balsa em cuja construção trabalharam por
mais de uma semana. A mãe aproximou-se do rio e pediu para eles saírem. Mas
eles, muito confiantes, disseram que estavam prontos para enfrentar qualquer
tempestade.
A mãe, aflita, correu até onde o seu marido trabalhava a terra e o trouxe
consigo até a margem do rio. O pai ordenou às crianças que voltassem, mas já era
tarde demais. A tormenta desatava seu furor levantando incontroláveis ondas que
sacudiam mortalmente a frágil balsa, a essa altura totalmente fora de controle.
Os pais desesperados lançaram-se ao resgate num pequeno barco que possuíam.
Lutaram bravamente, mas em vão. O rio engoliu a jangada e as crianças diante do
olhar impotente de Nárada e sua esposa. O casal gritava em tremenda aflição e o
clamor do seu pranto podia ouvir-se por sobre a voz ensurdecedora da tempestade.
Mas, quando a desgraça parecia ter alcançado o seu fim, eis que uma imensa onda
varre a superfície do barco arrastando consigo a mulher de Nárada. Ele se joga
ao rio tentando tirar dele seu último tesouro. Mas seu esforço sobre-humano é em
vão.
Com o coração partido, consegue manter-se flutuando enquanto a tormenta vai
amainando.
Finalmente, chega na margem do rio.
Com a alma rasgada e o rosto encharcado em lágrimas, Nárada levanta os braços ao
céu e, no limite do seu desespero, clama por Deus. Misturando raiva e
desolação grita pedindo forças e compaixão. Abrindo caminho entre as ondas
emocionais de sua tempestade interior, sua alma agita os céus exigindo
compreensão do sentido disso tudo, do sentido da vida.
Com o corpo agitado por seu choro, curvado pela dor em seu peito, Nárada não
percebe que alguém se aproxima.
Mas pode sentir que uma mão toca gentilmente em seu ombro, e pode ouvir quando
uma voz serena o chama pelo nome.
Levantando o rosto e enxugando as lágrimas vê alguém que conhece, mas não lembra
de onde.
E esse Alguém lhe diz com um sorriso maroto:
-"Nárada, que fazes? Por que gritas? Estou com sede, cadê a minha água?"

4 comentários:
Nossa! que Grande e bela lição de vida. Grata.
Sem palavras.
Sem palavras.
Olá Lu! É verdade, tem coisas que as palavras tornam tão limitado o significado que é melhor deixar assim... Grato pelo seu comentário! :-)
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