terça-feira, 20 de agosto de 2013
A codificação do amor pela persona
Uma criança recém-nascida não sabe nada sobre o amor. Está completamente desamparada,ignorante, dependente e vulnerável. Se for deixada sozinha , sem ninguém se preocupando com ela, até os seis ou sete anos, provavelmente morrerá. Levará mais tempo de que qualquer criatura viva para aprender a ser independente. E parece que, à proporção que as sociedades tornam-se mais complicadas e sofisticadas, a época em que se atinge a independência torna-se mais distante, a ponto do indivíduo permanecer dependente - se não economicamente, pelo menos emocionalmente- até a morte. Quando a criança vai crescendo, o mundo que a cerca e as pessoas que interagem com seu mundo vão ensinando-lhe o que o amor significa. A princípio parece que, quando tem fome, está sozinha, com dor ou mal-estar, basta chorar. Seu choro traz uma resposta, em geral a alguém que a alimente para que não sinta fome; que a segure para não se sentir sozinha; que elimine a origem de sua dor para que volte a sentir-se bem novamente. Estas serão as primeiras interações que irão lhe ensinar a se identificar com outro ser. Ainda não é capaz de relacionar essa fonte de conforto comum ser humano, como mãe,o pai, uma empregada,governanta, ou a avó. É provável que se um lobo, que é conhecido por ter servido a esse propósito com uma criança,alimentasse suas necessidades básicas, estabeleceria uma relação de precisar do lobo. Mas ainda não é amor, é simplesmente uma ligação. Não importa.É essa primeira reação-interação, unilateral, e que pode parecer simples, que eventualmente conduzirá ao fenômeno complicado e multifacetado do amor. Nessa altura, a atitude do objeto do qual a criança depende e ao qual reage desempenha um papel importante. O objeto também tem necessidade. E de acordo com elas, responderá à criança. O reconhecimento para uma mãe que se levanta durante a noite e toma conta da criança, ou que faz as milhares de pequenas tarefas que uma mãe do século XXI faz, por exemplo, pode ser simplesmente o sentimento de realização por ter criado uma vida, ou o sorriso da criança, ou então o calor da criança contra seu corpo. Mas de qualquer maneira , ela necessitará de reconhecimento, ou abandonará a criança. A forma como ela reagirá depende de como esses atos vão de encontro às suas necessidades. Já foi notado que mãe de crianças autistas e não-responsivas tendem a deixá-las de lado, a segurá-las menos, a acariciá-las menos,a cuidar menos delas e em geral a ser menos sensíveis a elas. Quando a criança cresce, seu mundo e suas relações também crescem. Seu mundo de amor ainda é limitado, em geral à família; seu pai, irmãos e irmãs, mas principalmente a mãe. Cada membro da família terá seu papel a desempenhar ensinando à criança alguma coisa do amor. Fará isso quando segurá-la, ou quando brincar e falar com ela, ou então quando reagir a ela. Certamente nenhum membro da família jamais se preocupou em “ensinar” o amor à criança. O amor é uma emoção, é uma verdade. Mas é também uma “resposta” a uma emoção e, além disso, uma expressão “ativa” daquilo que se sente. O amor não é aprendido por osmose. Na verdade, depende da atuação de todos nós. Por sua vez, cada membro da família pode ensinar apenas o que sabe do amor. A criança irá demonstrar cada vez mais o que está aprendendo. Os elementos positivos que expressa, que são aprovados e recompensados de acordo com os sentimentos e as crenças familiares, serão adotados como parte de seu comportamento. Aqueles elementos de seu comportamento que a sua família desaprova, ou não recompensa, que podem até mesmo ser punidos, serão deixados de lado. Por exemplo, se a família é um grupo efusivo, onde a afeição é claramente exposta, a criança será recompensada por uma resposta positiva quando expressar isso. A criança sobe nos braços do pai e beija-lhe calorosamente. O pai responde-lhe com uma aprovação verbal, alegre, gentil e sorridente. Está ensinando à criança que esta expansão de amor é boa. Por outro lado, uma criança pode subir nos braços de seu pai, que é uma pessoa igualmente amorosa, mas cuja expressão de amor não inclui demonstrações expansivas de afeição. Este pai gentilmente afasta a criança de seu colo e diz, sorridente. –Garoto, não abrace e beije os outros. Este pai ensinou a seu filho que é bom amar, mas que uma demonstração de amor não é aprovada em seu ambiente. O filósofo francês Jean Paul Sartre escreveu: “Muito tempo antes do nascimento, até mesmo antes de sermos concebidos, nossos pais já decidiram quem seremos”. Além da família próxima, existem outras influências que ensinam o amor. O efeito dessas influências pode ser errado. Então temos: a cultura social, que em muitos casos ensinou à família sua responsabilidade no amor, e portanto, servirá para recompensar as ações da criança; Ninguém consegue ser totalmente livre de pressões e influências culturais. Para tornar-se “socialmente aceito”, uma pessoa sempre tem que abrir mão de alguma coisa de si próprio. A cultura e a sociedade detêm o poder e se optamos por participarmos delas, irão agir sobre o nosso pensamento, limitar nossas escolhas, moldar nosso comportamento, ensinar-nos sua definição de adaptação e mostrar-nos o que entendem sobre o amor. Então, a forma pela qual você aprende o amor será algo determinado pela cultura na qual é criado. A experiência familiar pode algumas vezes entrar em conflito com a social, quando aprendemos em casa a ser expansivos, por exemplo, e na escola, somos vistos com “outros olhos”. Mas, como todo conflito, com a consciência na situação, tudo será superado. A criança está, então, continuamente à mercê dos seus mestres: o ambiente em que vive e os indivíduos (pessoas humanas) com quem entra em contato. São responsáveis por lhe ensinar a amar, mas é claro que os pais serão seus principais mestres, terão o mais forte impacto sobre a criança e lhe ensinarão apenas o tipo de amor que aprenderam; e somente até onde o aprenderam. Pois também já estiveram à mercê dos mestres e dos meios. Os mestres só podem ensinar o que aprenderam. Se o amor que tiverem for imaturo, confuso, possessivo, destrutivo, exclusivo, então será isso que transmitirão e ensinarão a seus alunos. Por outro lado, se o amor que conhecerem for construtivo, livre, maduro, ensinarão isso a suas crianças. A criança não pode reagir a seus mestres, tem pouco ou nenhum poder sobre isto. Para ter algum grau de conforto aceitará o que lhe é oferecido, em geral sem questionar. Na verdade tem poucos questionamentos porque possui poucos conhecimentos e nada para ser comparado. Seu mundo é mimado e lhe dão as ferramentas para alcançar as exigências e os símbolos com os quais organizá-lo. Ensinando-lhe até mesmo o que é importante, que sons devem escutar e o que podem significar, e o que não tem valor algum.Em outras palavras, ensinam-lhe a tornar-se um tipo específico de pessoa amorosa. Para receber amor de volta , precisa escutar, ver e responder como todos os outros fazem. Parece bastante simples, mas o custo para a sua individualidade é muito grande. A linguagem é o principal meio pelo qual transferimos conhecimento, atitudes, preconceitos, sentimentos e aqueles aspectos que formam a personalidade e acultura individual. A linguagem é ensinada e aprendida através da família e da sociedade. Todas as palavras tem um conteúdo intelectual. Teríamos poucas dificuldades para definir,por exemplo, uma “mesa” ou uma “casa”. Mas cada palavra tem também um conteúdo emocional. Torna-se uma coisa bem diferente quando lhe pedem para definir uma “casa”, ao invés de falar sobre a “primeira casa” da qual você se lembra. Todos conhecemos o significado da palavra “livre”. Mas se tivéssemos que tentar definir liberdade em termos nossos, vivendo em nosso meio, teríamos dificuldades em fazê-lo. Uma vez “enquadrada”, as atitudes e os sentimentos relativos aos objetos ou pessoas a que as palavras se referem tornam-se estáveis e em muitos casos irreversíveis. Através das palavras, portanto, a criança recebe não somente conteúdos,como também atitudes. Suas atitudes no amor são formadas . Uma espécie de “ mapa” é instituído, estático e sobre o qual todo o aprendizado subseqüente de atitudes e consciência acontece. O “mapa” da criança será determinado por quão aproximados dos fatos sejam os símbolos, e como são aprendidos, assimilados, analisados e recompensados através da experiência. A linguagem é importante na formação do comportamento , das relações, ações, atitudes, empatia, responsabilidade, cuidado, alegria, reação –em outras palavras, a linguagem do amor será então fixada. Nesse ponto a criança ainda está à mercê de seus mestres, foi coagida, devido à falta de experiência e por sua dependência, a acreditar nos mestres e a aceitar o mundo de amor que lhe oferecem como real. Então, chega o momento de ir à escola... (Texto postado originalmente na Comunidade Moral da estória - Orkut, em Set/2009)
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3 comentários:
Interessante texto sobre o amor, bastante coerente e correto. Porém o que comprovei na realidade da vida é que podemos ir aprendendo a amar de forma desinteressada, inclusive de algum retorno, quando expandimos nosso crescimento Espiritual. Já senti, inclusive por diversas vezes, "uma grande onda, de amor", me envolver, ao pensar em alguém, familiar ou não. Mas sendo um sentimento não tenho como descrever com palavras. O que percebo é que quando, ao olhar nos olhos de alguém, e perceber assim sua "alma", tão igual a minha, a debater-se por um aprendizado em se tornar melhor, esvai-se todo e qualquer sentimento de crítica, julgamento,ou o que quer que seja, ficando tão somente essa emoção linda, que chamo de AMOR. Marli
Marli, ta tudo certo! Seus comentários são sempre bem vindos! Também sinto assim, a arte de viver é tão sábia que vamos aprendendo a amar passando pelo jardim da infância, depois pelo pré,... e em algum momento da vida, o amor aprimorado, livre do filtro da persona, começará a desabrochar. Não raro, nossa possibilidade de viver com um novo olhar, após um tempo de vivência, transcendendo os condicionamentos, nos proporciona uma capacidade de sentir o amor de forma desprendida, como você tão bem apontou.
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