"Era uma vez, um bando de águias que vivia numa bela cordilheira.
Elas levavam uma existência descuidada e feliz, em meio a uma
abundância de alimentos naturais nos bosques e regatos em volta.
Passavam os dias em vôos altaneiros e em pacíficos prazeres. Lá
embaixo na seca planície, porém, vivia um bando de inteligentes
gralhas. Comerciantes por ocupação, as gralhas haviam investido
dinheiro na plantação de milho de baixa qualidade. Olhando em torno
à procura de fregueses potenciais, viram as águias revoluteando nas
alturas. "Vamos vender-lhes milho", passou a ser o grito de guerra
das gralhas, enquanto planejavam os argumentos. "Embrulhe o milho
num belo pacote", sugeriu uma delas. "Vamos tornar as águias
dependentes de nós", aconselhou outra. "Mais importante ainda",
ponderou uma terceira, muito hábil na venda de milho, "vamos
convencê-las de que o nosso milho não constitui simplesmente uma
necessidade, mas é absolutamente indispensável. Vamos convencê-las
de que, sem milho, elas se sentirão solitárias, abandonadas,
perdidas. Um bom começo é fazê-las desenvolver um sentimento de
culpa. Vamos fazê-las sentirem-se culpadas por ignorarem o nosso
milho... e as teremos no papo!"
Bem, as águias eram bastante inteligentes, mas um tanto displicentes
nos seus pensamentos. Embora se mostrassem inicialmente cautelosas,
o milho parecia muito bom. Além disso, economizava-lhes o esforço de
procurar comida.
Por isso mesmo, foram deixando aos poucos as alturas e descendo cada
vez mais até o milharal. Naturalmente, quanto menos voavam, menos
vontade sentiam de voar. Ficando com as asas enfraquecidas, foram
obrigadas a pular desajeitadamente pelo chão. Disto resultaram
colisões frequentes entre si, seguidas de numerosas brigas.
Havia, porém, uma águia que não apenas via longe, mas tinha também
visão interior. Percebeu que havia algo de profundamente errado em
toda essa história. Além disso, o milho simplesmente não tinha bom
sabor.
No dia em que tentou convencer as amigas a voltarem às
montanhas, as gralhas a ridicularizaram e a chamaram de criadora de
casos. Acreditando nas gralhas, as águias passaram a evitar a antiga
amiga.
E assim, quanto mais milho as gralhas vendiam, mais milho as águias
engoliam. Algo, porém, ocorrera às outrora altaneiras rainhas das
aves. Queixavam-se amargamente. Andavam nervosas e irritáveis.
Sentiam-se solitárias, abandonadas, perdidas. Às vezes, lembravam-se
do lar nas montanhas, mas não podiam recordar-se do caminho de
volta. Simplesmente viviam mal-humoradas, esperando que surgisse
algo de melhor, o que jamais acontecia.
Cansando-se de tudo isso, a águia perspicaz analisou-se
cuidadosamente. Descobrindo as asas, experimentou-as. Funcionaram! E
afastou-se voando, de volta às montanhas. Da alvorada ao anoitecer
descrevia círculos sobre o seu mundo, descuidada e feliz.
De igual maneira, qualquer homem, cansado de tudo, pode levantar voo
em direção à liberdade e felicidade naturais"
(Vernon Howard)
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